A relação entre poder político e segurança pública no Brasil sempre foi marcada por contradições profundas, e a expressão clara disso é a afirmação de que a política sempre fugiu da segurança pública. Esse fenômeno não se revela apenas em discursos, mas é uma falha sistêmica com raízes históricas, jurídicas e institucionais. A ausência de responsabilidade nacionalizada sobre a segurança, combinada com uma fragmentação federativa, deixa muitos estados sem uma coordenação forte para lidar com o crime organizado, o que perpetua a vulnerabilidade social.
Historicamente, o Brasil desenvolveu um sistema de segurança pública em que a competência recaí sobre os estados, e não sobre a União. Isso gera uma dicotomia perigosa: por um lado, há a criminalidade cada vez mais integrada e transnacional; por outro, a estrutura de poder que deveria combatê-la permanece descentralizada e fragmentada. Essa desconexão entre a capacidade estatal real de articulação e a intensidade das ameaças cria um ambiente propício para que grupos criminosos se fortaleçam, enquanto muitos gestores políticos mantêm distância das ações concretas de segurança.
A falta de investimento em políticas preventivas é outro sintoma evidenciado por essa falha. Boa parte dos recursos estatais ainda é destinada ao aparelhamento policial tradicional, com foco na repressão reativa, em vez de projetos estruturados de prevenção, educação e reinserção social. Essa abordagem reforça ciclos de violência, pois não atacam as causas profundas da criminalidade. Ao priorizar a força policial em vez da cidadania e do desenvolvimento social, a política demonstra que evita o enfrentamento sério das raízes dos problemas.
Além disso, a herança autoritária se faz sentir até hoje na cultura institucional da segurança pública. A repressão surgida nos regimes passados moldou uma mentalidade punitiva, muitas vezes desconectada de princípios democráticos ou de justiça restaurativa. Isso contribui para abusos, para a desconfiança entre comunidades vulneráveis e para uma sensação de impunidade persistente. Quando a política evita assumir responsabilidade plena, a segurança pública fica submetida a ciclos de crise constantes.
Outro ponto preocupante é a pouca cooperação efetiva entre os entes federativos. A descentralização exigiria uma rede articulada, mas muitas vezes a coordenação é superficial ou simbólica. Sem ações integradas e políticas conjuntas, os esforços de segurança permanecem pontuais e desconectados do panorama nacional do crime. Essa fragilidade institucional reforça a ideia de que, para muitos políticos, a segurança pública é um tema delicado demais para ser abraçado com profundidade.
No plano do debate público, a questão da segurança frequentemente é usada como bandeira eleitoral, mas raramente é tratada com a seriedade de políticas estruturadas. A política sempre fugiu da segurança pública quando se trata de construir projetos de longo prazo, porque reformas de verdade exigem investimento, transparência, audácia e a disposição de se comprometer com mudanças sociais profundas. Prefere-se, muitas vezes, prometer mais presença policial do que assumir uma estratégia real de transformação.
A precariedade das políticas de segurança pública gera consequências concretas para a população. A violência persiste em muitos territórios, a letalidade policial segue alta e comunidades marginalizadas continuam sofrendo com a ausência de proteção efetiva. Esse abandono institucional reforça a sensação de vulnerabilidade entre os cidadãos, que acabam presos a ciclos de medo, desconfiança e insatisfação com o Estado.
Em síntese, a negligência política sobre segurança pública não é apenas uma crítica retórica: é resultado de decisões históricas, de arranjos federativos mal resolvidos e de uma cultura institucional que evita mudanças profundas. Se a política quisesse mesmo enfrentar a criminalidade de forma eficaz, precisaria sair da retórica e assumir compromissos reais, integrados e sustentáveis. Sem isso, a segurança continuará sendo refém da ausência de visão e de vontade política.
Autor: Lior Amarin
